Drones e geotecnologias na pesquisa arqueológica

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Autor: MSC. PAULO RODRIGO SIMÕES. Graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e Espeleólogo membro da Sociedade Excursionista e Espeleológica – SEE/UFOP e Analista Ambiental.
Iniciou sua atuação nas Geotecnologias junto à Fundação Museu do Homem Americano – FUMDHAM em São Raimundo Nonato – PI. Mestre em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP com foco em Sensoriamento Remoto e SIG. Atualmente é Diretor da Rolling Drone Geotecnologias, startup sediada em Araxá – MG,atuando nas áreas de Meio Ambiente, Recursos Minerais, Patrimônio Cultural, Empreendimentos Imobiliários e Agrícolas.

INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas as técnicas de prospecção arqueológica evoluíram significativamente com o auxílio das Geotecnologias, notadamente os sistemas de posicionamento por satélites (GNSS), o Sensoriamento Remoto (SR), Sistemas de Informações Geográficas (SIG), técnicas geofísicas (Ground Penetrating Radar – GPR) e imageamento por laser (LiDAR).

Mais recentemente, destaca-se a adoção do uso de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT´s), popularmente conhecidos como drones e de câmeras alta resolução para imageamento nos espectros Visível (VIS), Infravermelho Próximo (NIR) e Termal (TIR).  No espectro do visível, é possível gerar o modelo tridimensional do terreno e mosaico de ortofotos da área de estudos, utilizando-se de técnicas de Fotogrametria. Anomalias térmicas e radiométricas podem ser mapeadas nos espectros do Infravermelho Próximo e Termal que podem, por sua vez, estar associadas a estruturas geológicas ou arqueológicas cobertas por vegetação ou camadas de sedimentos. Tal evolução se verificou também na indústria de software de tratamento de imagens multiespectrais e de visualização, como o Google Earth.

A evolução conjunta dos drones, das câmeras de alta resolução e dos programas para processamento das imagens têm tornado os processos de aquisição, tratamento, análise e divulgação destas imagens menos dispendiosos, mais rápidos e de mais fácil obtenção do que os métodos tradicionais, como a Aerofotogrametria com aeronaves tripuladas. A partir destes levantamentos podem ser gerados produtos cartográficos, topográficos, modelos digitais de terreno e superfície e extração das respectivas curvas de nível, modelos tridimensionais e mosaicos de ortofotos.

Os drones, multirrotores ou de asa fixa, vem sendo utilizados com sucesso em várias áreas como Meio Ambiente, Mineração e Pesquisa Mineral, Agricultura de Precisão, Planejamento Urbano, entre outras, mas com utilização ainda pouco efetiva junto às pesquisas arqueológicas no Brasil. Tem a vantagem de poder realizar voos de baixa altitude e de caráter multitemporal, podendo acompanhar e registrar com precisão as alterações da superfície terrestre.

Além das análises visuais das filmagens e fotografias, a geração de produtos cartográficos propicia a realização de análises espaciais em ambiente SIG. De uma forma geral, as análises espaciais, suportadas por um modelo teórico, contribuem a compreensão da distribuição dos vestígios arqueológicos e da relação existente entre as condicionantes ambientais e o acesso aos recursos naturais disponíveis nos compartimentos da paisagem que acabam por determinanar padrões de assentamentos humanos.

HISTÓRICO

A fotografia aérea é a mais antiga técnica de Sensoriamento Remoto usada na arqueologia. Os imageamentos gerados através de voos realizados sobre uma determinada área contribuíram para o registro não destrutivo de antigas ruínas, em processos que envolveram a tomada de fotos aéreas e a disponibilização do material gerado em bibliotecas, fornecendo elementos para a interpretação da paisagem e suporte a projetos de mapeamento.

Sua importância se refere também ao fato de possibilitar a transmissão das observações a outras pessoas que originalmente não estavam nos locais imageados, enquanto proporcionavam o registro para estudos e análises futuras, incluindo medições, transcrições e localização acurada. Tais registros tiveram grande utilidade para interpretações geoarqueológicas e sobre a paisagem, mudanças no uso e ocupação do solo, tanto quanto para identificação de vestígios cobertos pela vegetação (Stoker, 2010).

A arqueologia aérea não ficou restrita a aeroplanos, tendo sido utilizados outros veículos aéreos como balões e dirigíveis (Myers, 1992). E atualmente, além dos próprios aviões e VANTs, também são utilizados os balões, kites, dirigíveis, balões aerostáticos, além de plataformas, postes e gruas em solo.

O uso de fotografias aéreas remonta a 1858, atividade iniciada por Gaspard-Félix Tournachon, fotógrafo francês que foi a primeira pessoal a tirar uma foto aérea em Paris após ter construído seu próprio balão. Em pouco tempo se tornou um ferramenta extremamente útil no reconhecimento aéreo de caráter militar, fornecendo informações acerca do posicionamento de exércitos inimigos, como na I Guerra Mundial, quando o serviço de inteligência francesa sobrevoou a Alemanha para monitorar as movimentações e atividades nas fronteiras.

A primeira fotografia aérea feita intencionalmente para o registro de um sítio arqueológico foi feita em 1906, quando o Tenente P.H. Sharpe sobrevoou o Stonehenge em um balão. Já o primeiro arqueólogo que fez uso sistemático de fotografias aéreas voltadas à pesquisa arqueológica foi Mårten Stenberger, que iniciou estudos baseados na ilha de Öland (Ericsson, 1992 apud Nillson, 2013).

FOTOGRAFIA AÉREA

O clima tem um papel importante na aquisição de fotografias aéreas, uma vez que as condições climáticas afetam a qualidade das fotos. Esse Ericsson, em seu livro “Flygspaning efter Historia” descreve como pode-se detectar estruturas soterradas através da observação da vegetação que cresce no topo. Pode-se também detectar estruturas erguidas na paisagem pelo estudo das sombras emitidas por elas, como no caso de fortificações (Ericsson, 1992). Outro exemplo é quando durante o inverno, pedras, muros ou outros tipos de construções soterradas são ressaltadas quando o gelo derrete com o calor solar ao seu redor e formam-se linhas de gelo na superfície sobre os vestígios, em função de conservarem temperaturas mais baixas.

Com a introdução do imageamento orbital, o campo da fotografia aérea mudou drasticamente, redefinindo o papel de veículos aéreos para estudos arqueológicos. Os satélites se tornaram plataformas em órbita baixa para a captura de imagens da superfície terrestre em escala sinóptica. O primeiro satélite capaz de capturar imagens de alta resolução foi o Earth Resource Technology Satellite (ERTS), lançado em julho de 1972 (Fowler, 2010).

Outra mudança radical se verifica na era da internet, com a introdução de programas como o GoogleEarth™, onde é possível se observar todo o Mundo através de imagens de satélite de altíssima resolução, tornando o processo muito mais acessível e fácil para os arqueólogos (Parcak, 2009).

As câmeras são um dos principais instrumentos da fotografia aérea, podendo operar nos espectros do visível (VIS), infravermelho próximo e de ondas curtas (NIR e SWIR) e termal (TIR). Inicialmente analógicas, envolviam complexos processos químicos. Atualmente são digitais e usam de sensores do tipo CCD ou CMOS. Esta transição se deu em 1975 quando a primeira camera digital foi inventada (Gustavson, 2009).

SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS – SIG

Sistemas de Informações Geográficas são definidos como o conjunto de hardware, software, pessoal e dados geográficos voltados à aquisição, manipulação, gerenciamento e apresentação de dados espacialmente referenciados.

Os SIGs têm várias ferramentas para o pós-processamento de dados arqueológicos. Tais ferramentas permitem a realização de distribuições e análises espaciais de vestígios. Outras ferramentas são utilizadas para a criação de feições como pontos, linhas e polígonos, organizáveis em camadas e passíveis de interações entre elas. Com o SIG também é possivel de se criar modelos digitais de elevação e de superfície, representações e modelos tridimensionais de estruturas e de paisagens.

Um nível de interpretação é necessário para se compreender as paisagens arqueológicas, como comportamentos ou padrões de uma cultura, tanto quanto seu desenvolvimento (Chapman, 2006). O SIG contribui para o entendimento de questões relativas à distribuição uniforme ou agrupada de artefatos, eficiência energética de rotas, proximidade de recursos naturais, intervisibilidade intersítios e geração de mapas preditivos voltados à dedução da localização de sítios de acordo com padrões previamente estabelecidos. As comunidades são dependentes de recursos e as pessoas tendem a dispender menor energia para acessar esses recursos. O SIG permite uma análise dedutiva de quais seriam os caminhos mais rápidos ou de menor custo para acessar tais recursos ou locais, considerando-se os fatores que possam influenciar estes caminhos (Conolly, 2006).

O SIG também é utilizado para construir plantas de escavações com as respectivas camadas estratigráficas e distribuição espacial dos vestígios, tendo a vantagem de apresentar os dados em perspectiva isométrica sob diversos angulos de visada e geração de dados estatísticos.

SATÉLITES

Atualmente os arqueólogos podem acessar diversas imagens orbitais, a custos acessíveis ou mesmo livres, como Ikonos, Quickbird, LandSat 8, Sentinel e SPOT. Cada sensor apresenta um conjunto de características como resolução espacial, radiométrica e temporal, o que determina as diferentes possibilidades de aplicação.

No entanto, a ferramenta que tem proporcionado grande possibilidade para prospecções visuais, análises de paisagens e registro de caminhamentos arqueológicos é o software Google Earth. Este software permite a visualização e download de imagens multitemporais e a intercomunicação com receptores GPS. Em constante atualização, boa parte das imagens possuem alta resolução espacial, contribuindo para prospecções visuais, planejamento de campo e lançamento dos dados coletados.

LEVANTAMENTOS COM DRONE

Popularmente conhecidos como drones, os veículos aéreos não tripulados, ou VANTs, são a mais nova ferramenta de captura de imagens aéreas disponíveis ao projetos arqueológicos. Sua tecnologia foi desenvolvida, assim como o GPS, para fins militares, com o objetivo de reconhecimento e monitoramento de áreas de difícil acesso. Um drone possui um sistema de navegação dependente de GPS e sensores inerciais e direcionais, podendo ser autônomo, semi-autônomo ou rádio controlado (Conte, 2009). No Brasil, seu uso ainda não é regulamentado e são classificados em quatro categorias de acordo com seu peso.

Essencialmente, um drone se assemelha a um robô e não a uma aeronave de controle remoto. Isso porque, como um robô é equipado com sensors que reúnem informações do seu entorno e influenciam seu vôo como altitude, altura do solo, direção e velocidade do vento e, em alguns casos, obstáculos.

Um sistema computacional que processa os dados dos sensores e, através destes direciona seu movimento pela de intensidade variável dos rotores possibilita grande agilidade e estabilidade, essenciais a um bom levantamento fotogramétrico (Asplund, 2011 apud Nillson, 2013). Este sistema possibilita seu deslocamento segundo uma geometria tridimensional, recebendo a informação espacial do plano de vôo do CPU interno do drone.

As tecnologias usadas pelos drones estão em constante processo de desenvolvimento e os mais modernos possuem além dos já citados receptor GPS e sitema inercial, magnetômetros, giroscópios e sonares, o que possibilitam a detecção de obstáculos e a alteração dos roteiros pré-programados.

DRONES E A PESQUISA ARQUEOLÓGICA

Arqueólogos vêm usando drones multirrotores ou VANTs de asa fixa como ferramentas auxiliares para os trabalhos de campo prospectivos, registro de sítios de superfície, geoglifos e escavações. Os levantamentos fotográficos são os principais usos dos drones, que podem percorrer distancias consideráveis com um mínimo de esforço. Além destes, mapeamentos e levantamentos fotogramétricos podem ser executados para um registro preciso, de alta resolução, objetivando a geração de mosaicos de ortofotos e de modelos 3D. Tais produtos podem ser utilizados para planejamentos, análises e divulgação dos sítios e seus vestígios, valendo-se da internet para sua difusão, o que pode dispensar, em certas circunstancias a presença in loco de pesquisadores colaboradores (Hill, 2013).

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Figura 1: Ortofotocarta gerada com uso de drone do Sítio Arqueológico Curral de Pedras. Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fonte: Rolling Drone Geotecnologias 2015.

Há duas vertentes teóricas na chamada Arqueologia Digital. A primeira, de caráter puramente metodológico, ressalta as Geotecnologias como um conjunto de ferramentas para a solução de um problema, por exemplo, pelo input de dados em um software visando a obtenção de um resultado desejado. Uma segunda vertente se relaciona à criação de modelos explicativos como os relativos às razões de uma determinada área ter sido habitada e sua relação com os recursos naturais disponíveis (Zubrow, 2006), considerando-se também a melhor forma de se utilizar as ferramentas computacionais e seus limites.

Considerando-se a existência de vários sensores orbitais capazes de imagear a superfície terrestre com precisão e detalhe, por que motivos arqueólogos vêm utilizando-se, cada vez mais de drones em suas pesquisas? As principais razões se referem às limitações dos satélites no que se refere à resolução espacial, temporal e indisponibilidade de cenas com baixa cobertura de nuvens, comum em países tropicais.

Os resultados advindos de sua utilização têm se mostrado muito positivos por serem práticos, portáteis, de fácil manuseio, estáveis, pela alta resolução de suas imagens, pela disponibilidade no mercado de software de fotogrametria, pela possibilidade de embarcar diferentes cameras ou sensores com finalidades específicas, cobrir áreas extensas e de difícil acesso, possibilitar a geração de vários produtos para registro, análise e divulgação de resultados, entre outros fatores.

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Figura 2: Estruturas de mineração do Século XVIII. Morro de Santo Antônio. Mariana – MG.
Fonte: Google Earth 2016.

Os avanços tecnológicos experimentados pelos drones e sua difusão contribuem para a diminuição dos custos de aquisição ou de contratação de serviços especializados. Cabe-se ressaltar também que a fotografia aérea é uma ferramenta de pesquisa não destrutiva.

No entanto, os veículos não tripulados geralmente utilizados em Arqueologia podem sofrer restrições em função de condições climáticas como correntes de vento, chuva, baixas temperaturas e explosões solares. Tais fenômenos que podem impossibilitar temporariamente sua utilização, afetar a performance das baterias e influenciar negativamente o sistema de navegação.  

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Figura 3: Sítio Arqueológico Lapa da Zilda. Carrancas – MG. Modelagem 3D do painel de pinturas rupestres com levantamento realizado em solo com utilização de técnicas de Fotogrametria. Fonte: Rolling Drone Geotecnologias 2015. https://sketchfab.com/models/de914e95bf27436286634ff1a552d031.

Por fim há de se considerar que drones são, em última instância, apenas ferramentas para o transporte e posicionamento de câmeras para a coleta de dados espaciais a serem processados em ambientes computacionais que podem subsidiar análises qualitativas e quantitativas pelos arqueólogos. E estes devem estar cientes da possibilidade da criação de dados falsos durante o pós-processamento, seja pelo manuseio incorreto dos dados ou por interpretações equivocadas.

No Brasil, sua utilização encontra-se em estágio inicial, mas que poderá se beneficiar imensamente com os métodos e técnicas que vêm sendo desenvolvidas em outros países como no Reino Unido, Itália, Peru, Alemanha, República Tcheca, Espanha e Portugal, onde seu uso é consolidado e os resultados positivos comprovam sua eficácia. Em suma, cada nova descoberta abre novas possibilidades e estabelece novos padrões de reinterpretações do passado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Chapman, Henry (2006). Landscape archaeology and GIS. Stroud: Tempus. 191 p.

Conolly, James; Lake, Mark (2006). Geographical Information Systems in Archaeology. Cambridge: Cambridge University Press. 358 p.

Conte, Gianpaolo (2009). Vision-based localization and guidance for unmanned aerial vehicles. Master Thesis. Linköping: Linköpings Universitet. 195 p.

Ericsson, Esse; Hansen, Lars (Ed.) (1992). Flygspaning efter historia: [flygarkeologins mål och metoder]: med katalog över Esse Ericssons flygfotoarkiv. Kivik: Institutet för kulturforskning (IK).

Fowler, Martin J. F. (2010). Satellite Imagery and Archaeology. Cowley, David; Standring, Robin A.; Abicht, Matthew J. (Ed.) (2010). Landscapes through the lens: aerial photographs and historic environment. Oxford, UK: Oxbow Books. p. 99-110.

Gustavson, Todd (2009). Camera: A History of Photography from Daguerreotype to digital. New York: Sterling Innovation.

Hill, Austin (2013). Archaeology and UAVs. Anthropology News. 

Myers, J. Wilson; Gifford, John A. (Ed.) (1992). The Aerial Atlas of Ancient Crete. Berkeley: University of California Press.

Nillson, Dennnis (2013). The usage of unmanned aerial vehicles and their prospects in Archaeology. Master Thesis for master degree in archaeology. Institute of Archaeology Lund University, 44 p.

Parcak, Sara H (2009). Satellite Remote Sensing for Archaeology. London: Routledge. 286 p.

Richards, Austin (2001). Alien vision: exploring the electromagnetic spectrum with imaging technology. Bellingham. Optical Engineering Press. 160 p.

Stoker, Anke (2010) Hidden and disappeared Mediterranean archaeo landscapes revealed in historic aerial photographs. 288 p.

Zubrow, Ezra B. W. (2006) Digital Archaeology – A historical context. In: Evans, Thomas L.; Daly, Patrick T. (Ed.) (2006). Digital archaeology: bridging method

and theory. Abingdon, Oxon: Routledge. 248 p.

Esse conteúdo foi enviado pelo autor através do projeto Blog Colaborativo. 

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